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Ministério das Mulheres: Racismo e assédio moral a polemica da vez

Denúncias apontam a participação da ministra Cida Gonçalves em situações de assédio moral e omissão diante de casos de racismo; reportagem recebeu a confirmação de dezessete pessoas sobre os casos de assédio moral.

Servidoras e ex-funcionárias relataram situações de assédio moral e racismo dentro do Ministério das Mulheres, em especial contra mulheres negras. As acusações foram direcionadas para a chefe da pasta, Cida Gonçalves, e para a secretária-executiva, Maria Helena Guarezi.

A Alma Preta conversou com dezessete funcionárias e ex-funcionárias da pasta, que confirmaram situações de assédio moral dentro do Ministério das Mulheres. Todas pediram anonimato com medo de represálias.

De acordo com os relatos, Carmen Foro, que esteve à frente da Secretaria Nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política (Senatp) até agosto deste ano, e sua equipe foram uns dos alvos de Cida Gonçalves. Foro, inclusive, teria sido exonerada em 8 de agosto deste ano, enquanto estava de atestado médico por transtornos adquiridos depois de começar a trabalhar no Ministério das Mulheres.

A reportagem teve acesso a uma gravação feita durante uma reunião da ministra com as servidoras logo após a exoneração de Carmen Foro, no dia 12 de agosto.

Na reunião, que não teve a presença da já demitida Carmen Foro, a ministra acusou a ex-secretária de priorizar fazer campanha política no Pará visando as eleições de 2026 em vez do trabalho na pasta e chega a ameaçar o emprego das servidoras que eram da equipe de Foro.

“Pode ser que boa parte de vocês também podem sair, ou não, depende de como vai ser o processo da nova secretaria. A princípio eu tinha dito para a Carmen, que quem é dela, que veio com ela, tinha que ir”, diz, em um trecho da conversa.

Ela ainda falou durante a reunião que: “E se vocês acham que eu não sei o que acontece nos corredores, eu sei. Cara, eu sei tudo”.

Em outra parte, Cida Gonçalves diz que iria lutar por recursos “para que o pessoal dela [Carmen] sobrevivesse lá no Pará”. 

Cida Gonçalves também fala sobre qual seria o perfil ideal da nova secretária. “Está mais difícil, porque a gente colocou que é importante ser negra do Norte ou do Nordeste, que a gente já tem gente aqui”, afirmou a ministra. 

No dia 20 de setembro, Fátima Cleide Rodrigues da Silva (PT), ex-senadora de Rondônia, foi nomeada para a Senatp. Ela é uma mulher negra da região norte do país.

Natural de Moju, nordeste do Pará, Carmen Foro é ativista do movimento de mulheres negras, ribeirinhas e das trabalhadoras rurais, reconhecida por já ter coordenado a Marcha das Margaridas. Filiada ao PT, Carmen foi candidata à deputada federal pelo Pará em 2022 e garantiu a suplência, com mais de 36 mil votos.

Em nota, o Ministério das Mulheres afirmou ser “contra todo tipo de discriminação e toma providências em relação a todas as denúncias que são formalizadas nos canais competentes do órgão”. 

‘O Ministério do Assédio’

Segundo servidoras ouvidas pela reportagem, essa reunião foi o ponto alto de uma relação de trabalho marcada pelo assédio moral, perseguição, racismo e violência política por parte da ministra das Mulheres. 

Elas afirmaram que a pasta recebe o apelido nos corredores de “Ministério do Assédio”.

Uma ex-funcionária ouvida pela reportagem destacou que as atitudes das duas principais lideranças do Ministério, Gonçalves e Guarezi, refletem em toda a estrutura da pasta, com reprodução de assédios morais em menor ou maior grau, e fazem do ambiente de trabalho adoecedor, com um clima de insegurança, competição exacerbada e naturalização do assédio.

A legislação trabalhista entende que uma das formas de assédio moral ocorre quando o funcionário é “tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo”, ou quando “correr perigo manifesto de mal considerável”, ou ainda “praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama”. 

A Controladoria Geral da União entende a prática como uma “conduta seja reiterada e prolongada no tempo, com a intenção de desestabilizar emocionalmente a vítima”, e que pode ter como desdobramentos “Diminuição da autoestima do servidor”, “Desmotivação”, “Licenças médicas frequentes” e “Exposição negativa do nome do órgão ou instituição”.

Ao todo, 59 pessoas saíram do Ministério das Mulheres desde o início da gestão, segundo dados disponibilizados no Diário Oficial da União. 

O levantamento não levou em consideração as saídas dos primeiros dias da pasta, que são referentes às trocas de figuras do antigo governo, de Jair Bolsonaro. A primeira exoneração da ministra Cida Gonçalves ocorreu no dia 23 de maio de 2023, e a última no dia 19 de setembro de 2024.

Caso de racismo sem acompanhamento da ministra

A denúncia de racismo se direciona à secretária-executiva da pasta, Maria Helena Guarezi, quem assume a chefia do ministério na ausência de Cida Gonçalves. 

Durante uma reunião da pasta na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) no dia 24 de abril, Guarezi disse à ex-secretária para se sentar porque o cabelo de Carmen Foro estaria atrapalhando a visão do espaço. Foro tem cabelo crespo. A declaração foi confirmada à Alma Preta por cinco pessoas que estavam na reunião.

A ministra Cida Gonçalves não estava na reunião, mas foi informada dos fatos. Nenhuma ação foi tomada ou repreensão à Guarezi foi feita.

Funcionárias ouvidas pela reportagem falaram que era comum, quando ocorria questionamentos sobre políticas para mulheres negras, ouvir comentários da cúpula do ministério como “de novo isso de racismo?” ou “já vem essa de mulher negra”. 

Carmen Foro era a única negra entre as secretárias do Ministério das Mulheres. As demais eram Denise Motta, Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres; Rosane da Silva, Secretária Nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados; e Maria Helena Guarezi, secretária executiva da pasta. 

Servidoras relatam transtornos psicológicos e psiquiátricos

Burnouts, crises de pânico, ansiedade, enxaqueca e afastamento por problemas psiquiátricos são alguns dos transtornos desenvolvidos pelas pessoas que compõem ou compuseram o Ministério das Mulheres, segundo os relatos e atestados médicos obtidos pela Alma Preta. 

As declarações exaltam a pressão psicológica existente no espaço, com pessoas afirmando ter de lidar com “dor de cabeça”, “enxaqueca” e outras com a necessidade de medicação para lidar com as dores.

Nos corredores da pasta, servidores de carreira chegaram a comparar que a situação seria pior do que a do governo Bolsonaro, quando a pasta estava dentro do Ministério dos Direitos Humanos, com Damares Alves.

Uma das trabalhadoras contou que não tomava medicação antes do emprego e que saiu do ministério com pressão alta, com crises de estresse, crise de pânico, e ficou por um período de oito meses sem conseguir trabalhar. 

Outra teve burnout, teve de procurar uma psiquiatra, e pediu afastamento do trabalho. Uma servidora tomou remédios enquanto trabalhava, sem pedir afastamento, e foi ter mais complicações quando saiu da pasta, com espinhas por toda a pele.

A denúncia de assédio moral não é a primeira do governo federal. No dia 4 de setembro, o Uol publicou reportagem sobre casos no Ministério dos Direitos Humanos, pasta até então coordenada por Silvio Almeida. No dia seguinte, o Metrópoles divulgou a informação de que Silvio Almeida foi acusado de assediar mulheres, entre elas Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial. Almeida foi demitido no dia 6 de setembro, sexta-feira, e o caso agora é investigado pela Polícia Federal. 

Funcionário emitiu carta com reclamações de assédio

Um ex-funcionário enviou um email para toda a equipe, em outubro de 2023, com um texto sobre a exoneração e uma série de reclamações. A reportagem teve acesso a esse documento.

Ele declarou que é eleitor do presidente Lula, mas viveu no atual governo as coisas que temia sofrer no governo Bolsonaro e que só se concretizaram na gestão petista. Ele afirma que a casa é “craque” em promover assédio moral, diz que teve o trabalho descrito como “buscador de papel de impressora” e enxergou isso como um “tratamento vil”, como há muito tempo não recebia.

O trabalhador escreveu ter ouvido de uma coordenadora que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, entendido por ele como um “vexatório comando”. Com experiência em outras estruturas do governo federal, ele descreveu a pasta como um “retiro desrespeitoso”.

Ainda disparou contra a ministra Cida Gonçalves, a quem desejou sucesso, mas pediu para “de vez em quando” passar “no chão de fábrica para ver como está a sua obra de 40 anos de labuta”. 

Outro lado

À reportagem, a assessoria de comunicação da pasta das Mulheres informou que nenhuma denúncia relacionada a assédio moral foi oficializada na Corregedoria do órgão – instância competente para investigar servidores públicos e empregados por irregularidade na conduta.

Para além de repudiar situações de discriminação, o Ministério das Mulheres também pontuou ter realizado “oficinas internas em todas as áreas do Ministério, incluindo as lideranças e funcionárias(os) terceirizadas(os), tratando de assédio moral e sexual, caminhos para se registrar uma denúncia e condições para que ela seja investigada”. 

A pasta ainda informou “que seu Programa e Plano de Integridade, que receberam contribuições de todas as áreas, estão em processo de finalização. O documento é um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, conforme orientação da Controladoria-Geral da União”.



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